Culto especial ao Mistério da
Encarnação
Continua 4ª prática de devoção:
§245. 1ª.
Estamos num século orgulhoso, em que abundam os sábios soberbos, os espíritos
fortes e críticos, que acham o que criticar nas práticas de piedade mais
fundadas e mais sólidas.
- A fim de não lhes fornecer, sem necessidade, um
pretexto de crítica, vale mais dizer escravidão
de Jesus Cristo em Maria, e dizer-se escravo de Jesus
Cristo do que escravo de Maria. Assim denomina-se esta Devoção mais
de acordo com o seu fim último, que é Jesus Cristo, do que com o caminho e meio
para lá chegar, que é Maria. Apesar disso, podemos, na verdade, usar sem
escrúpulos ambas as denominações, como eu mesmo faço. Por exemplo, um homem que
vai de Orleans a Tours pelo caminho de Amboise pode muito bem dizer que vai a
Amboise, e que vai a Tours; que é viajante para Amboise e para Tours. No
entanto, a diferença é que Amboise é apenas o caminho direto para ir a Tours, e
que só Tours é o seu fim último e o termo da sua viagem.
§246. 2ª. O principal mistério que se
celebra e honra nesta Devoção é o mistério da Encarnação, no qual se pode ver Jesus
em Maria, encarnado no seu seio. Por isso vem mais a propósito dizer escravidão
de Jesus em Maria. Jesus habitando e reinando em Maria, conforme a bela
oração de tantos homens célebres:
“Ó Jesus, que viveis em Maria, vinde
e vivei em Vossos servos, no espírito da Vossa Santidade, na Plenitude de Vossa
Força, na Perfeição de Vossas Vias, na Verdade de Vossas Virtudes, na Comunhão
de Vossos Mistérios, dominai sobre toda a potestade inimiga, em Vosso Espírito
para a Glória do Pai. Amém.”
§247. Este
modo de falar mostra mais claramente a íntima união que existe entre Jesus e
Maria. Estão unidos tão intimamente que um está todo no outro: Jesus todo em
Maria e Maria toda em Jesus. Ou antes, Ela já não existe: é Jesus que é tudo n'Ela.
Seria mais fácil separar do Sol a sua luz, que Maria de Jesus. Pelo que se pode
chamar a Nosso Senhor, Jesus de
Maria,
e à Santíssima Virgem, Maria de Jesus.
§248. O
tempo não permite deter-me aqui para explicar as excelências e grandezas deste mistério
de Jesus vivendo e reinando em Maria, ou da Encarnação do Verbo.
Por isso contento-me com dizer, em duas palavras, que este é o primeiro dos
mistérios de Jesus Cristo, o mais oculto, o mais elevado e o menos conhecido.
- Foi neste mistério que Jesus
escolheu todos os eleitos com a colaboração de Maria, escondido no seu seio,
que por isso é chamado pelos santos de “A Sala dos Segredos Divinos”.
Foi neste mistério que Jesus operou todos os mistérios que depois se seguiram
na sua vida, pela aceitação que deles fez. “Jesus, entrando no mundo, disse:
Eis que venho para fazer a tua vontade, ó Deus” (Hb 10, 5-9). Por
conseguinte, este mistério é um resumo de todos os outros; encerra a vontade e
a graça de todos.
- Finalmente é o Trono da Misericórdia, da
Liberalidade e da Glória de Deus.
Trono da sua Misericórdia
para nós, pois só podemos nos aproximar de Jesus
por meio de Maria, bem como só podemos vê-lo e falar-lhe por intermédio de
Maria. Jesus, que atende sempre à sua querida Mãe, concede neste mistério sua graça
e misericórdia aos pobres pecadores. “Vamos, pois, com confiança, ao trono
da graça” (Hb 4, 16).
Trono da sua Liberalidade
para com Maria, pois, enquanto o Novo Adão
permaneceu neste verdadeiro Paraíso Terrestre, operou tantas maravilhas
escondidas, que nem os anjos nem os homens as podem compreender. É por isso que
os santos chamam Maria de a Magnificência de Deus, como se Deus só em
Maria fosse Magnífico (Is 33, 21).
Trono da sua Glória
para o Pai celeste, pois foi em Maria que Jesus
Cristo aplacou perfeitamente seu Pai, irritado com os homens. Foi n'Ela que
Jesus reparou cabalmente a glória que o pecado lhe tinha roubado. No sacrifício
que fez da sua vontade e de si mesmo, Jesus deu mais glória a Deus do que
jamais lhe teriam dado todos os sacrifícios da Antiga Lei. Enfim, foi em Maria
que Jesus deu ao Pai uma glória infinita, que jamais havia recebido do homem.
Grande Devoção pela Ave-Maria
e pelo Rosário
§249. Quinta
prática. Terão muita devoção em rezar
a Ave-Maria, ou Saudação Angélica. Poucos cristãos, embora
esclarecidos, conhecem o valor, o mérito, a excelência e a necessidade desta
oração. Foi preciso que a Santíssima Virgem aparecesse repetidas vezes a
grandes santos muito esclarecidos, como São Domingos, São João Capistrano, o
bem-aventurado Alano da Rocha, para lhes mostrar o mérito desta oração.
Compuseram grossos volumes sobre as maravilhas da sua eficácia na conversão das
almas. Publicaram altamente e pregaram publicamente que, tendo a salvação do
mundo começando pela Ave-Maria, a salvação de cada alma em particular
está ligada a esta oração.
- Foi esta oração que fez dar à Terra seca e
estéril o fruto da vida, e é esta mesma oração que, rezada com devoção, deve
fazer germinar nas nossas almas a Palavra de Deus, e fazer brotar o fruto de
vida, que é Jesus Cristo.
- Disseram ainda que a Ave-Maria é um celeste
orvalho que rega a Terra, isto é, a alma, para lhe fazer produzir fruto a seu
tempo. E a alma que não for regada por esta oração ou orvalho celeste não dará
fruto, mas apenas sarças e espinhos, não estando longe de ser amaldiçoada.
§250. Eis
o que a Santíssima Virgem revelou ao Bem-aventurado Alano da Rocha, conforme é
referido no seu livro “De dignitate Rosarii”, e depois citado por
Cartagena. “Fica sabendo, meu filho, e fá-lo saber a todos, que um sinal
provável e próximo de condenação eterna é ter aversão, tibieza e negligência em
rezar a Saudação Angélica, que salvou todo o mundo”.
- Palavras tão consoladoras quão
terríveis, que dificilmente se acreditariam se não tivéssemos esse santo por
garantia e, antes dele, São Domingos, e depois muitos outros grandes
personagens, com a experiência de muitos séculos.
- Efetivamente, sempre se verificou que os que
trazem o sinal da condenação, como todos os hereges, os ímpios, os orgulhosos e
os mundanos odeiam e desprezam a Ave-Maria e o Terço.
- Os hereges ainda aprendem e rezam o Pai-Nosso,
mas não a Ave-Maria, nem o Terço. Têm-lhes horror; preferiam trazer
consigo uma serpente a um Terço. Os orgulhosos, embora católicos, como têm as
mesmas inclinações que seu pai Lúcifer, também desprezam ou votam indiferença à
Ave-Maria,
considerando o Terço como uma devoção para
efeminados, própria para ignorantes e analfabetos. Pelo contrário, a
experiência tem mostrado que aqueles e aquelas que apresentam grandes sinais de
predestinação amam, saboreiam e rezam com prazer a Ave-Maria, e que
quanto mais são de Deus, tanto mais gostam desta oração. Foi o que disse a
Santíssima Virgem
ao bem-aventurado Alano, depois das palavras que
acabo de citar.
Tratado da Verdadeira Devoção a
Santíssima Virgem Maria / São Luis Maria Grignion de
Monfort
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