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sexta-feira, 14 de março de 2014

Maria, 3ªe 4ª prática de devoção

Uso das Cadeiazinhas
§236. Terceira prática. É muito louvável, muito glorioso e útil para aqueles e aquelas que assim se fazem escravos de Jesus em Maria, que usem umas cadeiazinhas de ferro. Estas ser-lhes-ão um sinal da sua Escravidão de Amor, e serão bentas com uma bênção própria. Estes sinais exteriores não são, na verdade, tão essenciais, e uma pessoa pode passar bem sem eles, embora se tenha abraçado a esta Devoção. Mas os escravos de amor sacudiram as cadeias vergonhosas da escravidão do demônio, a que o pecado original e talvez os pecados atuais os tinham reduzido. 
Por isso não posso deixar de louvar aqueles e aquelas que se sujeitaram voluntariamente à gloriosa escravidão de Jesus Cristo, e se gloriam, com São Paulo, de estar em cadeias por amor de Jesus Cristo (Ef 3, 1). Estas cadeias são mil vezes mais preciosas, embora de ferro e sem brilho algum, que todos os colares de ouro dos imperadores.

§237. Ainda que outrora não houvesse nada de mais difamante do que a Cruz, no presente é esse madeiro o que há de mais glorioso no Cristianismo. O mesmo se diga dos ferros da escravidão.
- Entre os antigos e, mesmo hoje, entre os pagãos, nada há de mais ignominioso. Mas para os cristãos não há nada mais ilustre do que essas cadeias de Jesus Cristo. Elas livram-nos e preservam-nos dos infames laços do pecado e do demônio. Colocam-nos em liberdade e ligam-nos a Jesus e a Maria, não por imposição e por força como se faz a forçados, mas por caridade e amor, como a filhos. “Atrai-los-ei com cadeias de caridade”, diz Deus pela boca dum profeta (Os 11, 4) . 
- Estas cadeias são, por conseguinte, fortes como a morte, e, de certo modo, mais fortes ainda nas pessoas que forem fiéis em usar estes gloriosos sinais até a morte. Pois, embora a morte destrua seus corpos, reduzindo-os à podridão, não destruirá esses laços da sua escravidão, já que sendo de ferro, não se corrompem facilmente. E talvez no dia da ressurreição da carne, no grande momento do juízo final, essas cadeias, que lhes ligarão ainda os ossos, constituam parte da sua glória e sejam transformadas em gloriosas cadeias de luz. Felizes, portanto, mil vezes felizes, os ilustres escravos de Jesus em Maria, que usarem estas cadeias até a sepultura!

§238. Eis as razões por que se usam estas cadeiazinhas:
- A primeira razão é para que o cristão se lembre dos votos e promessas do seu Batismo; para que se recorde da renovação perfeita que deles fez, por meio desta Devoção, e da estreita obrigação em que está de lhes ser fiel. O homem conduz-se, muitas vezes, mais pelos sentidos do que pela fé pura, e esquece-se facilmente das suas obrigações para com Deus, se não houver qualquer coisa exterior que lhas faça lembrar. Ora, estas cadeiazinhas servem maravilhosamente para lembrar ao cristão as cadeias do pecado e da escravidão do demônio, de que o Batismo o livrou.
- Lembram também a dependência de Jesus Cristo em que o homem se colocou pelo Santo Batismo, bem como a ratificação que dela fez ao renovar as suas promessas. Uma das razões por que tão poucos cristãos pensam nas promessas do seu Santo Batismo e vivem tão livremente como se nada tivessem prometido a Deus, como os pagãos, é que não trazem nenhum sinal exterior que os faça lembrar disso.

§239. A segunda razão é para mostrar que não nos envergonhamos de ser escravos e servos de Jesus Cristo, e que renunciamos à funesta escravidão do mundo, do pecado e do demônio.
- Uma outra razão é para servirem de garantia e preservação contra as cadeias do pecado e do demônio. Pois temos de trazer ou as cadeias da iniquidade, ou as cadeias da caridade e da salvação.

§240. Ah! Meu querido irmão, quebremos as cadeias do pecado e dos pecadores, do mundo e dos mundanos, do demônio e dos seus sequazes, e “lancemos para longe de nós o seu jugo funesto” (Sl 2, 3).
- Para me servir das palavras do Espírito Santo:
“Ponhamos os pés nos Seus gloriosos ferros, e o pescoço nos Seus grilhões” (Eclo 6, 25). “Curvando os ombros, levemos a Sabedoria, que é Jesus Cristo, sem aborrecermos as suas cadeias” (Eclo 6, 26).
- Note-se que antes de dizer estas palavras, o Espírito Santo vai preparando a alma, para que não venha a rejeitar este importante conselho. - Eis as suas palavras: “Ouve, meu filho, e recebe um conselho de sabedoria, e não rejeites o meu conselho (Eclo 6, 24).

§241. Permite-me, meu querido amigo, que eu me una ao Espírito Santo, para te dar o mesmo conselho: “As suas cadeias são cadeias de salvação” (Eclo 6, 31). Jesus Cristo, do alto da Cruz, deve atrair tudo a si, livre ou forçadamente. Ele atrairá os réprobos com as cadeias de seus pecados a fim de os acorrentar, como forçados e demônios, à sua ira eterna e à sua justiça vingadora. Mas atrairá particularmente nestes últimos tempos, os predestinados, com cadeias de caridade: “Atrairei tudo a Mim” (Jo 12, 32). “Hei de atraí-los com cadeias e vínculos de caridade” (Os 11, 4).

§242. Estes escravos de amor de Jesus Cristo, estes prisioneiros de Jesus Cristo, podem usar as cadeias ao pescoço, nos braços, à cintura ou nos pés. O Padre Vicente Caraffa, sétimo Geral da Companhia de Jesus, que faleceu em odor de santidade em 1643, trazia uma argola de ferro nos pés, como sinal da sua servidão, e dizia que lamentava não poder arrastar publicamente as suas cadeias. A Madre Inês de Jesus, de quem já falamos, usava uma corrente de ferro em volta da cintura.
- Alguns outros usaram-na ao pescoço, como penitência pelos colares de pérolas que tinham trazido no mundo. Outros ainda usaram-na nos braços, para se lembrarem, nos seus trabalhos manuais, de que eram escravos de Jesus Cristo.

Culto especial ao Mistério da Encarnação
§243. Quarta prática. Terão especial devoção ao grande mistério da Encarnação do Verbo, celebrado no dia 25 de março. É o mistério próprio desta Devoção, visto que ela foi inspirada pelo Espírito Santo:
1º. Para honrar e imitar a inefável dependência que o Filho de Deus quis ter de Maria, para glória de seu Pai e para nossa salvação. Esta dependência manifesta-se duma maneira particular neste mistério, em que Jesus Cristo está cativo e escravo no seio de Maria Santíssima, e onde depende d'Ela em todas as coisas.
2º. Para agradecer a Deus as graças incomparáveis que deu a Maria e, particularmente, por a ter escolhido para sua tão digna Mãe, escolha que se realizou neste mistério.
- Estes são os dois fins principais da escravidão de Jesus Cristo em Maria.

§244. Nota, por favor, que eu digo, habitualmente, escravo de Jesus em Maria, escravidão de Jesus em Maria. Pode-se realmente dizer, como muitos o fizeram até aqui, escravo de Maria, escravidão de Maria. Mas parece-me preferível dizer escravo de Jesus em Maria. Como aconselhava o Padre Tronson, Superior Geral do Seminário de São Sulpício, celebre por sua rara prudência e piedade consumada. Foi assim que aconselhou um sacerdote que o consultou sobre este assunto. E as razões de tal proceder são as seguintes:
Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem Maria

São Luis Maria Grignion de Monfort

quarta-feira, 12 de março de 2014

Maria, 1ª e 2ª prática de devoção

Práticas exteriores
§226. Embora o essencial desta Devoção consista no interior, não deixa de compreender várias práticas exteriores, que não se devem negligenciar. “É preciso fazer estas coisas, mas sem omitir aquelas” (Mt 23, 23). A razão disto esclarece-se, quer porque as práticas exteriores bem feitas ajudam as interiores, quer porque lembram ao homem, que sempre se guia pelos sentidos, o que está fazendo ou o que deve fazer. Também podem edificar os que as vêem, o que não sucede com as puramente interiores.
- Portanto, que nenhum mundano critique, nem aqui meta o nariz, para dizer que a “Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem Maria” reside no coração, que é preciso evitar as exterioridades, que pode haver nisso vaidade, que é preciso ocultar a devoção, etc. Respondo-lhes com o meu Mestre: “Que os homens vejam as vossas obras boas, e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus” (Mt 5, 16). Não que se devem fazer as ações e devoções exteriores, como diz São Gregório, para agradar aos homens e tirar daí algum motivo de louvor, pois isso seria vaidade. Mas por vezes fazem-se diante dos homens com o fim de agradar a Deus e de, por este meio, o fazer glorificar, sem a preocupação do desprezo ou louvor dos homens. Mencionarei apenas, em resumo, algumas práticas exteriores, a que chamo exteriores não porque sejam feitas sem o interior, mas porque têm qualquer coisa de exterior, que as distingue das que são puramente interiores.

Consagração depois dos exercícios preparatórios
§227. Primeira prática. Esta Devoção particular da entrega total não está erigida em confraria, embora isso fosse de desejar (atualmente já está). Ora, aqueles e aquelas que quiserem seguir esta Devoção, primeiro empregarão pelo menos doze dias a esvaziar-se do espírito do mundo, contrário ao de Jesus Cristo, conforme já disse na primeira parte desta preparação para o Reino de Jesus Cristo. Depois empregarão três semanas em encher-se de Jesus Cristo, por meio da Santíssima Virgem. Eis a ordem que se pode observar:

§228. Durante a primeira semana, aplicarão todas as suas orações e atos de piedade para pedir o conhecimento de si mesmos e a contrição de seus pecados; farão tudo em espírito de humildade. Para isso poderão, se quiserem, meditar no que eu disse sobre o nosso fundo mau (§78-79), e considerar-se durante os dias dessa semana como caracóis, lesmas, sapos, porcos, serpentes, bodes. Ou meditem estas três palavras de São Bernardo: “Pensa no que foste, um pouco de lama;
no que és, um vaso de estrume;
no que serás, alimento de vermes!”
- Pedirão a Nosso Senhor, e ao divino Espírito Santo que os esclareça, repetindo as palavras: “Senhor, que eu veja!” (Lc 18, 41).
Ou: “Que eu me conheça!” Ou: “Vinde, Espírito Santo!”
- Rezarão todos os dias a ladainha do Espírito Santo e a oração que se lhe segue.
- Recorrerão à Santíssima Virgem, pedindo-lhe esta grande graça, que deve ser o fundamento de todas as outras. Para isso dirão todos os dias o “Ave Maris Stella” e a ladainha de Nossa Senhora.

§229. Na segunda semana aplicar-se-ão, em todas as orações e obras de cada dia, a conhecer a Santíssima Virgem. Pedirão este conhecimento ao Espírito Santo, podendo ler e meditar o que sobre isto dissemos. Rezarão, como na primeira semana, a ladainha do Espírito Santo e o “Ave Maris Stella” ajuntando um Rosário cada dia, ou pelo menos um Terço, por esta intenção.

§230. Empregarão a terceira semana em conhecer Jesus Cristo.
- Poderão ler e meditar o que a este respeito dissemos, e ler a oração de Santo Agostinho, que vem no princípio desta segunda parte (§67).
- Poderão dizer e repetir, com o mesmo santo, mil e mil vezes ao dia: “Senhor, que eu Vos conheça!”
Ou então: “Senhor, fazei que eu veja quem sois Vós!” Rezarão, como nas semanas precedentes, a ladainha do Espírito Santo e o “Ave Maris Stella”, e acrescentarão todos os dias a ladainha do Santíssimo Nome de Jesus.

§231. No fim dessas três semanas confessar-se-ão e comungarão com a intenção de se darem a Jesus Cristo na qualidade de escravos de amor, pelas mãos de Maria. E depois da comunhão, que se esforçarão por fazer segundo o método abaixo indicado (§266), dirão a fórmula da consagração, que também acharão mais adiante. Deverão escrevê-la ou mandá-la escrever, se não estiver impressa, e assiná-la no mesmo dia em que a fizerem.

§232. Será bom que nesse dia paguem algum tributo a Jesus Cristo e a sua Santíssima Mãe, quer como penitência da sua passada infidelidade às promessas do Batismo, quer para protestar a sua dependência do domínio de Jesus e Maria. Esse tributo será segundo a devoção e a capacidade de cada um. Poderá ser um jejum, uma mortificação, uma esmola, uma vela. Ainda mesmo que não dessem mais que a homenagem de um alfinete, mas de todo o coração, isso bastaria, pois Jesus só olha a boa vontade.

§233. Uma vez por ano, pelo menos, renovarão a mesma consagração, no mesmo dia em que a fizeram, observando as mesmas práticas durante três semanas. E poderão até mesmo renovar tudo o que fizeram todos os meses, e mesmo todos os dias, com estas breves palavras:
“Eu sou todo Vosso e tudo o que tenho Vos pertence, ó
meu amável Jesus, por Maria, Vossa Santa Mãe!” (§266).

A Coroinha da Santíssima Virgem
§234. Segunda prática. Rezarão todos os dias de sua vida, mas sem a isso se obrigarem, a coroinha da Santíssima Virgem.
- Esta compõe-se de três Pai-Nosso e doze Ave-Maria, em honra dos doze privilégios e grandezas da Santíssima Virgem.
- Esta prática é muito antiga e fundamenta-se na Sagrada Escritura. São João viu uma mulher coroada de doze estrelas, vestida de Sol e tendo a Lua debaixo dos pés (Ap 12, 1). Segundo os intérpretes, essa mulher é a Santíssima Virgem.

§235. Há várias maneiras de recitar bem esta coroinha, e seria demasiado longo mencioná-las. O Espírito Santo as ensinará aos que forem mais fiéis a esta Devoção. Entretanto, para rezá-la em sua forma mais simples dir-se-á ao começar:
“Dignai-Vos conceder-me que Vos louve, ó Virgem Sagrada,
dai-me virtude contra os Vossos inimigos!”
- Em seguida reza-se o Credo, depois um Pai-Nosso, quatro Ave-Marias e um Glória ao Pai; e novamente um Pai-Nosso, quatro Ave-Marias e um Glória ao Pai, e assim por diante.
- No fim se dirá:
“Sob a Vossa proteção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus;
não desprezeis as nossa súplicas em nossa necessidades;
mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó Virgem Gloriosa e Bendita!”

Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem Maria / São Luis Maria Grignion de Monfort

terça-feira, 11 de março de 2014

Maria, fôrma de Deus

Comunicação da Alma e do Espírito de Maria
§217. A alma da Santíssima Virgem comunicar-se-á a ti para glorificar o Senhor, o seu espírito ocupará o lugar do teu para se regozijar no Senhor, seu Salvador, contanto que te tornes fiel às práticas desta Devoção. É o que exclamava Santo Ambrósio:
“Que a alma de Maria esteja em cada um para glorificar o Senhor; que o espírito de Maria esteja em cada um para se alegrar em Deus” (Lc 1, 46-55).
Ah! Quando virá esse feliz tempo - diz um santo homem dos nossos dias, todo perdido em Maria - Ah! Quando chegará esse feliz tempo em que Maria Santíssima será constituída Senhora e Soberana dos corações, para os submeter plenamente ao Império do seu Grande e Único Amor, Jesus?! Quando é que as almas respirarão Maria como os corpos respiram o ar?! 
- Acontecerão então coisas maravilhosas neste pobre mundo. Porque o Espírito Santo, encontrando a sua amada Esposa reproduzida nas almas, descerá abundantemente sobre elas, plenificando-as de Seus dons, particularmente do dom da sabedoria, para nelas operar maravilhas de graça. Meu querido irmão, quando virá esse tempo feliz, esse século de Maria, em que muitas almas escolhidas e obtidas do Altíssimo por Maria, perdendo-se a si mesmas no abismo do interior d'Ela, se tornarão cópias vivas de Maria, para amar e glorificar a Jesus Cristo? Esse tempo só virá quando a Devoção que ensino for conhecida e praticada: “Para que venha o Vosso Reino, ó Jesus, venha o Reino de Maria!

Transformação das almas em Maria à imagem de Jesus Cristo
§218. Se a árvore da vida, que é Maria, for bem cultivada na nossa alma, pela fidelidade às práticas desta Devoção, dará fruto a seu tempo, e o seu fruto não é outro senão Jesus Cristo.
- Vejo tantas almas piedosas que buscam Jesus Cristo, umas por uma via e uma prática, outras por outra. E, frequentemente, depois de terem trabalhado muito durante a noite, podem dizer: “Embora tenhamos trabalhado durante toda a noite, não apanhamos nada” (Lc 5, 5). E nós poderíamos dizer-lhes: Trabalhastes muito e lucrastes pouco: Jesus Cristo é ainda muito fraco em vós! Mas, no caminho imaculado de Maria e nesta divina prática que ensino, trabalha-se de dia, trabalha-se num lugar santo e trabalha-se pouco. - Em Maria não há noite, porque Ela não teve nem a menor sombra do pecado. Maria é um Lugar Santo, o Santo dos Santos, onde os santos são formados e moldados.

§219. Peço-te que notes o que disse: os santos são moldados em Maria. Há grande diferença em fazer uma figura em relevo a golpes de martelo e de cinzel, e fazer uma figura lançando-a numa fôrma. Os escultores e estatuários trabalham muito para fazer imagens do primeiro modo, e precisam de muito tempo. Mas, a fazer imagens da segunda maneira, trabalha-se pouco e fazem-se rapidamente. Santo Agostinho chama a Santíssima Virgem “Fôrma de Deus”, Fôrma própria para formar e moldar deuses: “Sois digna de ser chamada Fôrma de Deus”. Aquele que é lançado nesta Fôrma Divina depressa é formado e moldado em Jesus Cristo e Jesus Cristo nele. Facilmente e em pouco tempo será transformado em Deus, divinizado, pois é lançado no próprio molde que formou um Deus.

§220. Parece-me que posso muito bem comparar os diretores espirituais e as pessoas devotas, que querem formar Jesus Cristo em si ou nos outros por meio de práticas diferentes desta Devoção, a escultores, que confiando no seu engenho, diligência e arte dão uma infinidade de golpes de martelo e cinzel na pedra dura ou num pedaço de madeira mal polida, para dela fazerem uma imagem de Jesus Cristo. E às vezes não conseguem representar Jesus Cristo ao vivo, quer por falta de conhecimento e experiência da pessoa de Jesus, quer por causa de um golpe mal dado, que estragou a obra. Mas, quanto aos que abraçam este segredo de graça que lhes apresento, comparo-os, com razão, a fundidores e moldadores que acharam a Fôrma tão bela de Maria, na qual Jesus Cristo foi natural e divinamente formado. Não confiando na sua própria habilidade, mas unicamente na excelência da Fôrma, lançam-se e perdem-se em Maria, para se tornarem o retrato vivo de Jesus Cristo.

§221. Ó bela e verdadeira comparação! Mas quem a compreenderá?
- Desejo que sejas tu, meu querido irmão. Mas lembra-te que só se lança na fôrma o que está fundido e líquido. Isto quer dizer que deves destruir e fundir em ti o velho Adão, para que em Maria te transformes no novo.

A Maior Glória de Jesus Cristo
§222. Por esta prática, fielmente observada, darás mais glória a Jesus Cristo em um só mês, do que por qualquer outra, embora mais difícil, em muitos anos. Eis aqui as razões do que afirmo:
1º. Porque fazendo as tuas ações pela Santíssima Virgem Maria, como esta prática ensina, renuncias às tuas próprias intenções e operações, embora boas e conhecidas, para, por assim dizer, te perderes nas intenções e operações da Santíssima Virgem Maria, muito embora te sejam desconhecidas.
- Deste modo entras na participação da sublimidade das suas intenções. A pureza destas foi tanta que Ela glorificou mais Deus pela mínima das suas obras, do que São Lourenço pelo cruel martírio que sofreu na grelha, e mesmo do que todos os santos pelas suas mais heroicas ações. E assim, durante a sua permanência na Terra, Maria adquiriu uma plenitude indizível de graças e méritos. Seria mais fácil contar as estrelas do Céu, as gotas de água do mar e os grãos de areia das praias do que os Seus méritos e graças. Ela deu mais glória a Deus do que todos os anjos e santos lhe deram ou jamais darão.
Oh! Que prodígio sois, Maria! Só Vós podeis realizar os prodígios de graça nas almas que querem docilmente abismar-se em Vós.

§223. 2º. Porque esta prática faz com que uma alma considere tudo aquilo que pensa ou faz por si mesma como sendo um nada. Apoia-se e compraz-se apenas nas disposições de Maria, para se aproximar de Jesus e até para lhe falar. Assim mostra muito mais humildade do que as almas que agem por si mesmas e se apoiam e deleitam, imperceptivelmente, nas suas próprias disposições. Essa alma dá muito mais glória a Deus, que só é glorificado perfeitamente pelos humildes e pequenos de coração.

§224. 3º. Porque a Santíssima Virgem digna-se receber, por grande caridade, a oferta das nossas ações em suas mãos virginais, e dá-lhes assim uma beleza e um brilho admiráveis. É Ela própria que as oferece a Jesus Cristo, e não há dúvida de que Nosso Senhor é assim mais glorificado do que se lhas oferecêssemos nós mesmos com as nossas mãos criminosas.

§225. 4º. Finalmente, porque nunca pensas em Maria sem que Maria, em teu lugar, pense em Deus; e nunca louvas Maria sem que Ela contigo louve e honre a Deus. Maria só a Deus se refere, e bem lhe poderíamos chamar de a relação de Deus, que só existe em referência a Ele, ou o eco de Deus, porque Ela só diz e repete: “Deus”.
- Quando dizes Maria, Ela diz Deus. Santa Isabel louvou-a e proclamou-a bem-aventurada porque tinha acreditado; Maria, o eco fiel de Deus, cantou: “A minha alma glorifica o Senhor” (Lc 1, 46).
- O que Maria fez nessa ocasião, renova-o todos os dias. Quando a louvamos, amamos e honramos, ou lhe damos alguma coisa, é a Deus que louvamos, amamos e honramos, é a Deus que damos por Maria e em Maria.
Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem Maria / São Luis Maria Grignion de Monfort

segunda-feira, 10 de março de 2014

Maria, efeitos em uma alma fiel

Maravilhosos efeitos desta Devoção em uma alma que lhe é fiel
§212. Meu querido irmão, convence-te de que, se fores fiel às práticas interiores e exteriores da “Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem Maria”, que te indicarei adiante, participarás dos frutos maravilhosos que ela produz na alma fiel. Ei-los:

Conhecimento e desprezo de si mesmo
§213. Conhecerás, pela luz que o Espírito Santo te dará por intermédio de Maria, sua querida esposa, o teu fundo mau, a tua corrupção e incapacidade para todo bem. 
E em consequência desse conhecimento, desprezar-te-ás e sentirás horror ao pensar em ti. 
Considerar-te-ás como um caracol, que tudo estraga com a sua baba, ou como um sapo, que tudo envenena com a sua peçonha, ou como uma serpente maliciosa, que só procura enganar. 
Finalmente, a humilde Maria te comunicará a sua profunda humildade e fará com que te desprezes a ti mesmo, mas não aos outros, e gostes de ser desprezado (Imitação de Cristo, L. I, cap. 2).

Participação da Fé de Maria
§214. A Santíssima Virgem far-te-á participar da sua fé, que foi a maior que já houve na Terra, maior até que a dos Patriarcas, Profetas, Apóstolos e todos os Santos. 
Agora que reina nos céus, já não tem essa fé, pois vê claramente todas as coisas em Deus, pela luz da glória (1 Cor 13, 8-13). 
No entanto, por permissão do Altíssimo, não perdeu a sua fé ao entrar na glória: guardou-a a fim de conservá-la na Igreja militante para os Seus mais fiéis servos e servas.
- Por isso, quanto mais benevolência granjeares desta augusta princesa e Virgem Fiel, mais pura fé terás em todo o teu proceder:
  • Uma fé pura, que fará com que não te preocupes mais com o que é sensível e extraordinário;
  • Uma fé viva e animada de caridade, que te levará a fazer tudo unicamente movido por Puro Amor;
  • Uma fé firme e inquebrantável como um rochedo, que te fará permanecer constante e firme no meio das tempestades e tormentas;
  • Uma fé ativa e penetrante que, como uma chave misteriosa ou gazua, te dará entrada em todos os mistérios de Jesus Cristo, nos novíssimos do homem, e no Coração do próprio Deus;
  • Uma fé corajosa que, sem hesitações, te fará empreender e levar a cabo grandes coisas pela causa de Deus e salvação das almas;
  • Uma fé reluzente, enfim, que será o teu archote luminoso, a tua vida divina, o teu tesouro escondido da divina Sabedoria, a tua arma onipotente de que te servirás para iluminar os que estão nas trevas e sombras da morte, para abrasar os que são tíbios e precisam do ouro ardente da caridade, para dar vida aos que morreram pelo pecado, para tocar e prostrar, com as tuas palavras doces e poderosas, os corações de mármore e os cedros do Líbano e, finalmente, para resistir ao demônio e a todos os inimigos da salvação.
Quanto mais benevolência granjeares desta Augusta Princesa e Virgem Fiel, 
mais pura fé terás em todo o teu proceder!

A Graça do Puro Amor
§215. Esta Mãe do Amor Formoso (Eclo 24, 24) tirará do teu coração todo escrúpulo e temor servil. Abri-lo-á e dilatá-lo-á para que corra pelo caminho dos mandamentos de seu Filho (Sl 118, 32), com a santa liberdade dos filhos de Deus, e para infundir nele o Puro Amor, do qual Ela é a tesoureira (§169).
E assim, no teu comportamento para com Deus, que é Caridade, já não procederás com receio e temor, como até agora tendes feito, mas sim por Puro Amor.
- Olhá-lo-ás como teu Pai bondoso, a quem procurarás agradar incessantemente, a quem falarás confiadamente como um filho fala a seu bom Pai. 
- Se, por infelicidade, vieres a ofendê-lo, humilhar-te-ás imediatamente na sua presença, pedir-lhe-ás humildemente perdão, estender-lhe-ás a mão com toda a simplicidade, levantar-te-ás amorosamente, sem perturbação nem inquietação, e continuarás a caminhar para Ele sem desânimo.

Grande Confiança em Deus e em Maria
§216. A Santíssima Virgem encher-te-á duma grande confiança em Deus e n'Ela própria:
1º. Porque já não te aproximarás de Jesus por ti mesmo, mas sempre por esta boa Mãe;

2º. Porque, tendo-lhe dado todos os teus méritos, graças e satisfações, para que deles disponha à sua vontade, Ela te comunicará as suas virtudes e te revestirá de Seus méritos. Deste modo poderás dizer confiadamente a Deus: “Eis Maria, a Vossa escrava, faça-se em mim segundo a Vossa palavra” (Lc 1, 38);

3º. Porque te deste inteiramente a Ela, de corpo e alma, Ela que é liberal com os liberais, e ainda mais do que eles, retribuirá entregando-se a ti de maneira maravilhosa, sim, mas verdadeiramente real.
- E depois disso poderás dizer-lhe com santa ousadia: 
Eu sou Vosso, Virgem Santíssima, salvai-me” (Sl 118, 94); 
ou então, com o discípulo amado, como já disse antes (§179): 
Eu Vos recebi, ó Santa Mãe, como todo o meu bem”.
- Poderás dizer ainda, com São Boaventura:
Minha querida Senhora e salvadora agirei com confiança e sem temor, porque Vós sois a minha força e o meu louvor no Senhor!” (Is 12, 2).
- E noutra passagem: 
“Eu sou todo Vosso, e tudo o que tenho Vos pertence, ó gloriosa Virgem, bendita acima de todas as coisas criadas. Colocar-Vos-ei como um selo sobre o meu coração, porque o Vosso Amor é forte como a morte” (Ex 15). 
- Poderás dizer a Deus, com os sentimentos do profeta: 
Senhor, nem o meu coração , nem os meus olhos têm motivo algum para se elevar e orgulhar, nem para buscar coisas grandes e maravilhosas. 
Mas nem por isso sou humilde: levantei e animei a minha alma pela confiança. Sou como um menino desmamado e encostado ao seio de sua mãe, e é nesse seio que sou cumulado de bens”.

4º. O que aumentará ainda mais a tua confiança n'Ela é que a fizeste depositária de tudo o que tinhas de bom, para guardar ou para o dar aos outros.
Terás menos confiança em ti e muito mais n'Ela, que é o teu tesouro. 
Oh! Que confiança e que consolação para uma alma poder dizer que o tesouro de Deus, onde Ele guardou o que tem de precioso, é também o seu tesouro! Como diz um santo: 
"Ela é o tesouro do Senhor.”

Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem Maria 
São Luis Maria Grignion de Monfort

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Maria sustenta o corpo e a alma

Ela os sustenta no Corpo e na Alma
§208. O segundo dever de caridade que a Santíssima Virgem exerce para com os Seus fiéis servos é que os provê de tudo, quanto ao corpo e quanto à alma. Dá-lhes vestes duplas, como acabamos de ver. Alimenta-os com os manjares escolhidos da mesa de Deus. Dá-lhes a comer o Pão de Vida que Ela própria formou: “Meus filhos, diz-lhes Ela pela boca da Sabedoria, enchei-vos dos meus frutos” (Eclo 24, 26), isto é, de Jesus, o fruto de vida, que Eu dei à luz para vós.
“Vinde, repete-lhes, comei o meu Pão, que é Jesus, e bebei o Vinho do seu Amor, que para vós preparei com o leite do meu peito” (Pr 9, 5; Ct 5, 1).
- Por Ela ser a tesoureira e a dispensadora do Altíssimo, prepara uma boa parte, e a melhor parte, para alimentar e sustentar os Seus filhos e servos.
  • Sacia-os com o pão vivo, inebria-os com o vinho que gera as virgens (Zc 9, 17).
  • Leva-os aos seios (Is 66, 12).
  • Dá-lhes tanta facilidade em levar o jugo de Jesus Cristo que quase não lhe sentem o peso, devido ao óleo da salvação em que o faz apodrecer: “Seu jugo apodrecerá por causa da abundância do azeite” (Is 10, 27).

Ela os guia
§209. O terceiro bem que a Santíssima Virgem faz aos Seus fiéis servos é que Ela os conduz e dirige segundo a vontade de seu Filho.
Rebeca conduzia seu filho Jacó e dava-lhe bons conselhos, de tempos a tempos, quer para atrair sobre ele a benção de seu pai, quer para o subtrair ao ódio e à perseguição de Esaú, seu irmão.
Maria, que é a estrela do mar, conduz todos os Seus servos fiéis a bom porto; mostra-lhes os caminhos da vida eterna e faz-lhes evitar os passos perigosos; leva-os pela mão nas veredas da justiça e sustenta-os, quando estão prestes a cair; se caem, levanta-os;
- Mãe caridosa que é, repreende-os quando erram, e chega mesmo, por vezes, a castigá-los amorosamente. Poderá um filho obediente a Maria, sua Mãe nutrícia e diretora esclarecida, perder-se nos caminhos da eternidade?
- Como diz São Bernardo: “Seguindo-a não te desvias!” (§174).
- Não receeis que um verdadeiro filho de Maria seja enganado pelo espírito maligno e caia em alguma heresia formal (§167). Onde é Maria que guia, não há lugar nem para o demônio com as suas ilusões, nem para os heréticos com as suas sutilezas: “Se Ela te sustém, não cais” (§174).

Ela os defende e protege
§210. O quarto benefício que a Santíssima Virgem presta a Seus filhos e fiéis servos é que os defende e protege contra os seus inimigos.
Rebeca, por meio dos seus cuidados e diligências, livrou Jacó de todos os perigos em que se encontrava. Livrou-o particularmente da morte que seu irmão Esaú lhe teria provavelmente dado, como outrora Caim a seu irmão Abel, tanto era o ódio e a inveja que lhe tinha.
Maria, a boa Mãe dos predestinados, abriga-os sob as asas da sua proteção, como a galinha aos seus pintainhos.
- Fala-lhes, abaixa-se até eles, condescende com as suas fraquezas.
- Cerca-os para os livrar do falcão e do abutre,
- acompanha-os como “um exército posto em linha de batalha” (Ct 6, 3).
- Um homem, rodeado por um exército bem disciplinado de cem mil homens, poderá temer os seus inimigos? (§50).
- Um fiel servo de Maria, cercado pela sua proteção e pelo seu poder imperial, tem ainda menos a temer!
- Esta boa Mãe e Poderosa Princesa dos Céus enviaria batalhões de milhões de anjos em socorro de um dos Seus servos, antes que se pudesse jamais dizer que um fiel servo de Maria, que n'Ela confiara, tinha sucumbido ante a malícia, o número e a força dos seus inimigos.

Ela intercede em seu favor
§211. Enfim, o quinto e último grande bem que esta Mãe amável presta a Seus fiéis devotos é que intercede por eles junto de seu Filho, apaziguando-o com Seus rogos. Ela os une a Ele com liames muito íntimos e nessa união os conserva. Rebeca fez aproximar Jacó do leito de seu pai, e o bom homem tocou-o, abraçou-o e até o beijou com alegria. Sentiu-se contente e saciado com a carne bem preparada que Jacó lhe trouxe, e tendo aspirado com grande prazer os preciosos aromas das roupas dele, exclamou:
“Eis que o perfume de meu filho é semelhante ao aroma dum campo fecundo, que o Senhor abençoou” (Gn 27, 27).
- Esse campo fecundo, cujo perfume regozijou o coração do pai, não é outro senão o das virtudes e méritos de Maria.
- Ela é um campo cheio de graça, onde Deus Pai semeou, qual grão de trigo dos eleitos, o seu Filho Único.
- Oh! Como um filho perfumado pelo bom odor de Maria é bem acolhido por Jesus Cristo, Pai do século futuro! (Is 9, 6). Como se une rápida e perfeitamente a Ele! Já o demonstramos mais demoradamente (§152-168; 184 e 191-200).

§212. Além disto, depois de ter cumulado de favores os Seus filhos e fiéis servos, depois de ter obtido a benção do Pai celeste, e a união com Jesus Cristo, conserva-os em Jesus Cristo e Jesus Cristo neles. Guarda-os e vela sempre por eles, para que não venham a perder a graça de Deus, e a cair nas ciladas do inimigo: “Detém os santos na sua plenitude”, e fá-los perseverar até o fim, como vimos (§173-182).
- Eis, portanto, a explicação desta grande e antiga figura da predestinação e da condenação, tão pouco conhecida e tão cheia de mistérios.

Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem Maria
São Luis Maria Grignion de Monfort

Maria e seus escravos de amor

Ela os ama
§201 “Eu amo aqueles que me têm amor” (Pr 8, 17).
1) Ama-os porque é sua verdadeira Mãe, e uma mãe ama seus filhos, fruto das suas entranhas;
2) Ama-os por gratidão, visto que efetivamente eles a amam como sua boa Mãe;
3) Ama-os porque, sendo predestinados, Deus lhes tem amor: “Amei Jacó e odiei Esaú” (Rm 9, 13);
4) Ama-os porque se lhe consagraram inteiramente e se tornaram seu quinhão e sua herança: “Recebe Israel por tua herança“ (Eclo 24, 13).

§202. Ela os ama ternamente, e com mais ternura que todas as mães juntas. Juntai, se puderdes, num só coração de mãe e para com um único filho, todo o amor natural que as mães do mundo inteiro têm pelos seus filhos: certamente essa mãe amará muito esse filho. No entanto, verdade é que Maria ama ainda mais ternamente Seus filhos do que aquela mãe amaria o seu. Ela não os ama apenas com afeto, mas também com eficácia. O seu amor por eles é ativo e efetivo, como o de Rebeca por Jacó, e ainda mais.
Eis o que esta boa Mãe, de quem Rebeca era apenas uma
imagem, realiza para obter a Seus filhos a bênção do Pai celeste:

§203. 1) Ela espreita, como Rebeca, as ocasiões favoráveis para lhes fazer bem, para os engrandecer e enriquecer. Ela vê claramente em Deus os bens e os males, os bons e os maus sucessos, as bênçãos e as maldições divinas. - Por isso dispõe de longe todas as coisas, para livrar os Seus servos de toda a espécie de males, e para os cumular de todos os bens. 
- Assim, se apresentar-se-lhe a ocasião de obter, em Deus, um bom prêmio ou proveito, pela fidelidade de alguma criatura a qualquer alta missão, é fora de dúvida que Maria obterá esta graça a um dos Seus filhos e servos fiéis, juntamente com a graça de tudo levar a cabo fielmente. “Ela própria se ocupa dos nossos interesses e negócios”, diz um Santo.

§204. 2) Ela os favorece com bons conselhos, como Rebeca a Jacó: “Meu filho, segue os meus conselhos” (Gn 27, 8). E, entre outros conselhos, inspira-lhes o de lhe trazerem dois cabritos, isto é, o corpo e a alma, para lhos consagrarem, a fim de que Ela prepare um festim agradável a Deus.
- Inspira-lhes ainda o conselho de fazerem tudo o que seu Filho Jesus Cristo ensinou com suas palavras e exemplos. Se não é diretamente que lhes dá estes conselhos, dá-lhos pelo ministério dos anjos, cuja maior honra e prazer é obedecer a alguma das suas ordens para baixar à Terra e vir em socorro de algum dos servidores d'Ela.

§205. 3) Quando lhe levamos e consagramos o corpo e a alma, e tudo o que deles depende, sem nada excetuar, que faz esta boa Mãe? Aquilo que outrora fez Rebeca aos dois cabritos que Jacó lhe trouxe:
  • 1º. Sacrifica-os, fazendo-os morrer para a vida do velho Adão;
  • 2º. Esfola-os e tira-lhes a pele natural, que são as inclinações da natureza, o amor próprio, a vontade própria e todo o apego às criaturas.;
  • 3º. Purifica-os de suas manchas, impurezas e pecados;
  • 4º. Prepara-os ao gosto de Deus e para a sua maior glória. Como só Ela conhece perfeitamente o gosto divino e a maior glória do Altíssimo, também só Ela pode aprontar e preparar, sem se enganar, o nosso corpo e a nossa alma segundo esse gosto infinitamente elevado e essa glória infinitamente escondida e eterna.

§206. 4) Esta boa Mãe, tendo recebido a oferta perfeita que lhe fizemos, de nós mesmos e dos nossos méritos e satisfações, por meio da Devoção de que já falei, e tendo-nos uma vez despojado dos nossos velhos hábitos, prepara-nos e torna-nos dignos de comparecer diante de nosso Pai celeste:
1º. Reveste-nos com os vestidos apropriados, novos, preciosos e perfumados de Esaú, o primogênito, isto é, de Jesus Cristo, seu Filho. Ela guarda estas vestes em sua casa, quer dizer, tem-nas em seu poder, sendo a tesoureira e dispensadora universal dos méritos e das virtudes de Jesus Cristo, seu Filho. E Maria pode dá-los e comunicá-los a quem quer, quando quer, como quer e na medida que quer, como já acima vimos (§25 e 141).
2º. Envolve as mãos e o pescoço de Seus servos com a pele dos cabritos mortos e esfolados, isto é, adorna-os com os méritos e o valor das ações deles mesmos. Ela mata e mortifica o que há de impuro e imperfeito nas suas pessoas, mas não perde nem dissipa todo o bem que a graça neles operou. Guarda-o e aumenta-o, para fazer dele o ornamento e a força de seu pescoço e de suas mãos, ou seja, para lhes dar fortaleza em levar o jugo do Senhor, que assenta sobre o pescoço, e para operarem grandes coisas para glória de Deus e a salvação de seus pobres irmãos.
3º. Ela dá um novo perfume e uma nova graça a essas vestes e ornamentos, comunicando-lhes as suas próprias vestes, quer dizer: os méritos e virtudes, que Ela lhes legou em testamento ao morrer, como diz uma santa religiosa do século passado, morta em odor de santidade, e que o soube por revelação.
- Deste modo, todos os Seus domésticos, fiéis servos e escravos estão duplamente vestidos com vestes de seu Filho e as suas: “Todos os Seus domésticos trazem vestidos forrados” (Pr 31, 21). É por isso que não têm a recear o frio de Jesus Cristo, branco como a neve, que os réprobos, inteiramente nus e desprovidos dos merecimentos de Jesus Cristo e da Santíssima Virgem, não poderão suportar.

§207. 5) Ela lhes faz obter, enfim, a bênção do Pai celeste, embora naturalmente não a devessem receber por não serem os primogênitos, e apenas filhos adotivos. Com estas vestes inteiramente novas, muito preciosas e muito perfumadas, e com o corpo e a alma bem preparados e aprontados, aproximam-se confiadamente do leito de repouso do Pai celeste. Ele os entende e distingue pela voz, que é a do pecador; apalpa-lhes as mãos, recobertas de peles; sente o aroma dos seus vestidos; come com prazer o que Maria, a Mãe deles, lhe preparou. E reconhecendo neles os méritos e o bom odor de seu Filho e de sua Santa Mãe:
1º. Ele lhes dá uma dupla bênção. A bênção do orvalho do Céu (Gn 27, 28), que é a graça divina, semente da glória:
“Deus abençoou-nos em Jesus Cristo com toda a bênção espiritual”
(Ef 1, 3). E a bênção da fecundidade da terra (Gn 27,28),
isto é, este Pai bondoso dá-lhes o pão quotidiano e uma suficiente abundância dos bens deste mundo.
2º. Ele os constitui senhores dos outros seus irmãos, os réprobos, embora esta primazia nem sempre se manifeste neste mundo, que passa num momento (1 Cor 7, 31).
Neste mundo são muitas vezes os réprobos que dominam: “Os pecadores se vangloriarão com discursos e se exaltarão” (Sl 93, 3-4). “Vi o ímpio exaltado e elevado” (Sl 36, 35). Mas essa primazia não deixa, por isso, de ser verdadeira, e aparecerá manifestamente no outro mundo, pela eternidade afora. Lá os justos, no dizer do Espírito Santo, “dominarão e imperarão sobre as nações (Sb 3, 8).
3º. Sua Majestade não se contenta só com abençoar as suas pessoas e os seus bens, mas estende a sua bênção a quantos os abençoarem, e a sua maldição a todos os que os amaldiçoarem e perseguirem (Gn 27, 29).

Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem Maria / São Luis Maria Grignion de Monfort